quarta-feira, 31 de julho de 2019

O fenômeno Sandy e Junior: há explicação?

Foto: Jairo Goldflus
O retorno da dupla Sandy e Junior, em turnê comemorativa de 30 anos de carreira, segue enlouquecendo o país exatamente como no auge de “As Quatro Estações”, 20 anos atrás. Ingressos esgotados em minutos, shows extras, desespero de quem ficou de fora. A gravadora Universal, detentora de toda obra fonográfica dos artistas, também não deixou a oportunidade passar, relançou alguns CDs avulsos, depois lançou um box contendo todos os 16 discos da carreira deles (embora a qualidade dessa nova tiragem deixe bastante a desejar), e agora está lançando três álbuns em vinil, formato em que a obra deles não era lançada desde 1995, com o disco “Você é D+!”.

Não há dúvida de que Sandy e Junior ainda é sinônimo de sucesso. Evidente que o hiato de 12 anos desde que a dupla se separou, em 2007, explica bem esse “boom” em 2019. Todos querem vê-los juntos novamente, os fãs nostálgicos e uma nova geração que não teve a chance de ir a um show deles. Caso a separação não tivesse ocorrido, não acredito que eles ainda estivessem fazendo todo esse barulho. Os últimos anos juntos já demonstravam uma desaceleração da sua popularidade. Contudo, isso não desvaloriza nem apaga um dos feitos mais raros da história da música brasileira. Sandy e Junior alcançaram sucesso ainda crianças, no primeiro disco, e foram mantendo e aumentando consideravelmente esse sucesso ao longo de mais de uma década. Como isso foi possível? E por que outras duplas e grupos infantis como Balão Mágico, Trem da Alegria, Luan e Vanessa e Mulekada não conseguiram também? Tenho minhas teorias de como pequenas decisões em determinados momentos foram significativas na carreira deles.

"Maria Chiquinha" e a sua sucessora


Para o início do sucesso vários fatores contribuíram. O primeiro foi, inegavelmente, serem filhos de Xororó, que estava com a carreira em ascensão com Chitãozinho à época. Depois, “Maria Chiquinha”, a canção - hoje apontada como misógina e necrófila - foi a responsável por fazê-los sucesso antes mesmo de lançarem o primeiro disco. Na verdade, foi ela quem despertou as gravadoras para o potencial das crianças. Era divertido e surpreendente ver aqueles dois projetos de gente discutindo uma relação de adultos numa canção. E por fim, claro, o talento inquestionável deles, que desde cedo já traziam uma disposição natural à música, inclusive com afinação vocal.

Disco lançado, sucesso alcançado, pronto, deveria ter acabado aí, como aconteceu e acontece com inúmeros artistas. Mas surpreendentemente o novo disco consegue um feito quase impossível de alcançar por um artista: uma nova canção que supere o sucesso anterior. E eles conseguiram. “A Resposta da Mariquinha” seguiu uma fórmula bastante usada pela indústria fonográfica, porém quase sempre sem muito êxito, de repetir a receita do sucesso anterior. A música trazia a dupla novamente discutindo uma relação de adultos. Acontece que “A Resposta da Mariquinha” era muito melhor do que “Maria Chiquinha”. A canção tinha mais ritmo, refrão e não era arrastada como a anterior. A produção do segundo disco também foi significativamente superior. Percebe-se o cuidado, o capricho e a bagagem de Xororó na concepção do novo trabalho da dupla, que ainda emplacou “Vamos Construir”, primeira de muitas versões de sucessos internacionais que os acompanhariam.

Anos 60 e "Com Você"

No terceiro disco há a primeira grande sacada que faz a dupla não perder definitivamente o sucesso. Repetir novamente a fórmula e trazer outra canção nos moldes das anteriores não seria apenas arriscado, mas um erro fatal. E ele ainda foi feito, embora não trabalhado comercialmente. A canção “Ciumeira”, composta por Xororó e parceiros, numa nítida tentativa de recriar algo parecido com “A Resposta da Mariquinha”, deixou evidente o desgaste da fórmula, e o resultado foi uma canção insignificante, que se tivesse sido o carro-chefe do disco teria levado a dupla rapidamente ao esquecimento. Mas algum gênio resolveu apostar nos anos 60, no musical “Grease”, de onde Sandy herdou o nome, e na jovem guarda, saindo um pouco do sertanejo e entrando no rock e no pop, com direito à caracterização de figurino. As versões “Tô Ligado em Você” e “Primeiro Amor” trouxeram um frescor e o elemento surpresa, que acompanhava a dupla desde o início. Além da regravação de “Splish Splash”, que embora trouxesse a velha discussão de casal, vinha embrulhada na nostalgia da jovem guarda.

O quarto álbum trouxe outras inovações, ao mesmo tempo em que se prendia à fórmula de sucesso do disco anterior, os anos 60, aqui bastante explorado em várias faixas. Porém, a produção não se deixou levar apenas pela receita pronta e, com a experiência de "Primeiro Amor", de que uma canção romântica funciona, apostou na versão que se tornou um dos maiores sucessos da dupla, “Com Você”. O hit romântico e bem trabalhado garantiu, quase que sozinho, o excelente desempenho do disco, além, claro, de manter o sucesso da dupla e aumentar a sua popularidade. A canção "Criança Esperança", criada para o programa de TV, emocionou o público e também virou sucesso.

Entre a infância e a adolescência

Para o próximo disco, Xuxa, homenageada em uma canção no álbum anterior, foi convidada para participar em uma faixa. Outros clássicos dos anos 60 e 70 seguiram ganhando versões. A música tema do filme "Dirty Dancing" virou "Sonho Real", e aparentemente foi produzida na intenção de promover o álbum, contudo, a ideia da gravadora, em aproveitar a explosão da série de TV "Power Rangers", foi mesmo quem garantiu a popularidade do disco. Mais a frente, outra canção de discussão de casal ganhou o público, com uma inovação: "Vai Ter Que Rebolar", como o nome já diz, fazia Junior literalmente rebolar, desconstruindo estereótipos sobre o comportamento masculino.

O passo seguinte foi outro grande momento na carreira do dois. A adolescência chegava e o repertório precisava se adaptar. Há um grande salto de qualidade no novo disco. “Dig Dig Joy” foi uma feliz composição que brincava em cima de uma coreografia, com um refrão envolvente, flertando ainda com a infância, enquanto “Não Ter”, versão de sucesso de Laura Pausini, mexia com os sentimentos dos adolescentes que então afloravam. Foi um álbum de transição, muito bem elaborado, que percorria ainda o country e a salsa com “Etc… e Tal” e “Férias de Julho”. Aqui o famoso mullet de Junior também ficava pra trás.

TV, cinema e 1 milhão de cópias

Com o talento cada vez mais evidente, exigentes na qualidade do trabalho e a popularidade crescendo, eles ganham seu próprio programa de gincanas e entrevistas na extinta TV Manchete, o “Sandy e Junior Show”, ajudando a promovê-los ainda mais. O disco seguinte reafirmou com segurança o rumo que a carreira dos jovens adolescentes tomava. Outra vez quiseram refazer a fórmula de sucesso de um álbum anterior, criando a música “Pomponeta”, que também brincava em cima de uma coreografia, com um refrão nonsense, para ser uma nova “Dig Dig Joy”. Porém, novamente não caíram nessa armadilha e lançaram “Beijo é Bom”, com uma pegada bem mais pop, que lembrava muito a canção “Wannabe” das Spice Girls. No contrapeso, a balada “Inesquecível”, mais uma versão de Laura Pausini, que se tornou outro dos maiores sucessos da dupla. Ainda conseguiram se destacar as canções “Eu Acho Que Pirei”, “Little Cowboy”, “Pot-pourri Bee Gees” e “Era Uma Vez”, essa feita exclusivamente para a novela homônima, em parceria com Toquinho, incluída no disco numa nova tiragem no ano seguinte.

Por essa época, o talento de Sandy é reconhecido pelo tenor italiano Andrea Bocelli e eles gravam juntos a canção “Vivo por Ella”. Também estreiam como atores no filme dos Trapalhões “O Noviço Rebelde”. A essa altura já estava mais do que evidente de que aquelas crianças que começaram cantando “Maria Chiquinha” tinham chegado mesmo para ficar. Cada álbum vendia mais que o anterior. Surge então a ideia de gravar o primeiro disco ao vivo, com mais três faixas inéditas de estúdio. A versão de Celine Dion do tema de Titanic, “Em Cada Sonho”, promoveu o álbum, aproveitando o sucesso do filme, seguida da versão de Savage Garden, “No Fundo do Coração”, que se tornou o primeiro videoclipe deles a entrar na MTV. O registro do show também foi lançado em VHS e o saldo final do disco foi o primeiro a ultrapassar 1 milhão de cópias.

"As Quatro Estações" e o seriado

Agora parecia que Sandy e Junior enfim tinham chegado ao topo, e então eles lançam o icônico “As Quatro Estações”, um dos maiores saltos de qualidade, inovação, técnica e amadurecimento da carreira, e um dos melhores álbuns deles. O disco saiu em meio à primeira temporada do seriado “Sandy e Junior” na Rede Globo. Decidir atuar, interpretando a si mesmos numa série de TV, que levava os seus nomes, foi mais uma sábia decisão. Eles e suas canções entravam toda semana no lar de milhões de brasileiros. Dessa forma, quase todas as músicas do disco foram tocadas no seriado e ficaram conhecidas, catapultando completamente a carreira deles. A divulgação do disco, contudo, começou sem arriscar muito, com a versão de Celine Dion, “Imortal”, mas logo as primeiras composições de Sandy, “Olha o que o amor me faz” e “As Quatro Estações”, se mostraram bem mais interessantes, assim como “Aprender a Amar”, a canção que trazia Junior muito bem nos vocais principais. O ritmo enérgico da juventude ficou por conta de “Eu Quero Mais” e “Vamo Pulá”. E ainda passearam pelo italiano com a belíssima “Malia”, produzida para a novela “Terra Nostra”.

Aproveitando o sucesso de tantos singles do álbum, eles decidem lançar novamente um disco ao vivo, a versão “Quatro Estações - O Show”, com três canções inéditas de estúdio outra vez, o famoso CD com as quatro opções de capa. “A Lenda”, composição do grupo Roupa Nova, foi literalmente o apogeu da dupla. O disco ainda trouxe o sucesso “Enrosca” com vocais de Junior, repetindo o que havia dado certo em “Aprender a Amar”, porém, dessa vez, sem Sandy para acompanhar. É ainda hoje o álbum com maior número de vendagens deles. Também nesse ano gravam uma canção em parceria com o cantor espanhol Enrique Iglesias. E no início do ano seguinte participam da terceira edição do festival internacional Rock in Rio. O sucesso da dupla ficara tão gigante que Sandy ganha uma novela pensada exclusivamente para ela na Rede Globo, “Estrela-Guia”.

Artistas internacionais

Outro salto de qualidade é alcançado no disco seguinte. A balada “O Amor Faz” e a frenética “A Gente Dá Certo” deram início aos trabalhos de divulgação do álbum, porém, a primeira canção acabou superada quando as demais começaram a despontar, como “Não Dá Pra Não Pensar” (de autoria dos próprios irmãos), “Nada é Por Acaso”, "Cai a Chuva” e principalmente “Quando Você Passa”, a famosa Turu Turu.

Pensando em conquistar o mercado internacional também, a gravadora lança o projeto de um disco em inglês, lançado em vários países ao mesmo tempo. Gravado quase que simultaneamente ao álbum anterior, mas lançado no ano seguinte, o disco “Internacional” fez a dupla gravar não só em inglês, mas em espanhol e francês. As canções “Love Never Fails” e “Words Are Not Enough” alcançaram bom desempenho já que tudo que eles gravavam nessa época virava sucesso, no entanto, apesar da superprodução do álbum, não eram canções originais, já haviam sido gravadas por outros artistas pouco tempo antes. Entre as duas faixas bônus em português, a versão “Super-herói” com vocais de Junior, como já havia virado costume. Curiosamente, umas das melhores canções em inglês acabou de fora da versão nacional do disco. “Until I See You Again”, assim como as versões em inglês de “A Lenda” e “As Quatro Estações”, só entraram como extra no disco duplo seguinte “Ao Vivo no Maracanã + Internacional Extras”.

Registrado em DVD e lançado no mesmo ano do disco "Internacional", o show no Maracanã os sagrou para a posteridade como os primeiros artistas nacionais a lotar o estádio brasileiro. O álbum foi lançado em versão dupla, contendo as canções que ficaram de fora do disco "Internacional" e as versões que foram lançadas em outros países.

Maior autonomia

Esgotados com o excesso de trabalho do ano anterior, a dupla decide não dar continuidade à carreira internacional, bem como não renovar o seriado com a Rede Globo, após quatro anos, e optam pela gravação do filme “Acquária”. Apesar de bem produzido, o roteiro deixou um pouco a desejar. A canção-tema do filme, “Encanto”, foi a primeira a promover o novo disco “Identidade”, que mostrava os irmãos bem mais à vontade na produção, composição e seleção do repertório. “Desperdiçou” virou chiclete, seguida de “Nada Vai Me Sufocar” e “Você Pra Sempre”.

Depois de 13 anos lançando ao menos um disco por ano, eles finalmente se dão ao luxo de trabalhar com maior tranquilidade na produção de um novo álbum, ficando dois anos sem lançar nada. O disco homônimo lançado em seguida mostra um grande amadurecimento musical da dupla, trabalhando as canções mais artisticamente e com menos apelo popular. Talvez por isso seja o “menos queridinho” dos fãs, embora o material seja de excelente qualidade. “Replay”, com uma pegada mais popular, foi a que mais fisgou, seguida da balada “Estranho Jeito de Amar”. Destaque também para “Discutível Perfeição”, em que Sandy “chuta o balde” contra o rótulo de santinha.

Menos populares do que quando “As Quatro Estações” estourou, mas ainda sinônimo de sucesso, eles decidem se separar e gravam o último álbum de despedida, após 17 incríveis e bem sucedidos anos de carreira. O que também explica o fenômeno em 2019. Eles não saíram no auge, mas um pouquinho depois, deixando a sensação de que ainda tinham o que oferecer. E por que outros artistas mirins não conseguiram os mesmos intentos? Talvez decisões equivocadas em algum momento, erro de seleção de repertório, ausência de uma boa música que ultrapassasse o sucesso anterior. Sandy e Junior foram muito bem assessorados desde o início, tiveram sempre ótimas inovações no repertório, souberam usar bem as versões de músicas internacionais e aproveitar as oportunidades que surgiram, como os programas de TV e filmes, além, claro, de sempre terem sido extremamente competentes e profissionais com o trabalho que faziam. Merecem o sucesso e o reconhecimento que estão tendo com a turnê “Nossa História”.

5 comentários:

  1. Boa tarde! Respondendo a pergunta título: Não, não há explicação. As músicas são como perfumes.

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  2. Tenho 23 anos. Acompanhei o final a dupla já no finalzinho. Sempre ouço as músicas e acompanho a Sandy em carreira solo. Porém não não tinha noção do fenômeno até ler esse texto. A cada música citada, eu ia no YouTube senti-las. Passei o dia inteiro mergulhada na história de Sandy e Júnior, e agora, depois de contextualizada, irei assistir os vídeos da turnê com uma emoção ainda maior. Obrigada por esse texto. Imagino o trabalho e a dedicação para essa perfeição de pesquisa. Parabéns

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    1. Nossa, obrigado pelo comentário. Fico muito feliz que meu texto tenha lhe proporcionado esse mergulho e essa vivência na história da dupla. Já para elaborar o texto, quase não houve pesquisa, ou melhor, houve, mas ela está toda arquivada em mim, em minha história, em minha vivência de fã desde os primórdios. Conheço tudo isso aí que escrevi como se fosse a minha história também. Eram informações que eu tinha e que queria repassar em texto. Fico feliz dela ter chegado de forma tão profunda em você. Abraço!

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