domingo, 26 de fevereiro de 2012

Meu jardim botânico

Quando todos os benefícios e tecnologias do mundo moderno não conseguem saciar nossa sede interior, só resta pedir auxílio à velha inquilina natureza. Só ela com sua imponente e modéstia paciência consegue acalentar as lamúrias mais íntimas da nossa alma. Nada mais gostoso do que dividir confidências ao pé de uma jaqueira, trocar reminiscências com um ipê amarelo ou mesmo partilhar as horas com um bambu. A natureza nos acolhe na sua majestosa simplicidade para nos lembrar, quiçá, de alguns valores perdidos na humanidade. Foi assim que me senti esses dias ao rever um dos lugares mais exuberantes do Rio de Janeiro. O Jardim Botânico é uma pequena porção do paraíso inserida no coração de uma metrópole. O silêncio, a paz e a quietude só quebrados pelo ruído da água nas fontes e córregos. Um privilégio para poucos. E pensar que toda a costa brasileira já foi um dia assim.

É nessas horas que me reporto aos portugueses quando aqui chegaram. Quando confundiram uma limpa e espetacular baía com a foz de um grande rio. A maravilha da natureza em sua perfeita manifestação. O paraíso particular dos índios. Como o homem foi capaz de devastar tamanha riqueza? Um pequeno passeio pela Estrada da Mata Atlântica, um caminho que contorna uma boa parte do jardim, serpenteando a Floresta da Tijuca, é suficiente para se render por inteiro ao poder da criação. Árvores gigantescas que se perdem à vista, frondosas e protetoras sombras, o solo macio da terra molhada, o ruído das folhas secas, o canto de algum passarinho, o lodo úmido em algumas pedras... me senti isolado do resto do mundo, a dez minutos de Copacabana.

Ali, mergulhado os pensamentos na mais profunda sintonia de espírito, recordei um pequeno jardim que fez história na minha infância. Na casa dos meus tios-avós existia um grande terreno ao fundo e em volta da casa com algumas árvores e plantações. O muro da casa era colado com o da minha avó e não era alto. Meu avô pulava frequentemente por lá para ir tomar café e bater papo com os irmãos. A casa era bem antiga. Paredes largas, chão de barro em alguns cômodos, fogão a lenha, sótão e vários quartos escuros. Tinha um certo medo de entrar lá. Mas esse medo não era empecilho para me afastar da pequena “floresta” que era o jardim do lado direito da casa. Havia muita planta, flores e ervas medicinais lá, divididos em dois ou três corredores. O ambiente era úmido, pois os galhos altos das plantas impediam que a luz solar chegasse até o chão. Apesar de ir pouco, eu adorava aquele lugar. Me sentia numa floresta. Fantasiava histórias e aventuras nas quais eu me perdia, improvisava abrigo, fugia dos animais. Ganhava a imaginação.

Era um ambiente único, incomum a tudo que eu estava acostumado. Infelizmente, minha diversão tinha sempre prazo de validade bastante curto. Meus tios não se mostravam receptivos à minha presença lá, aliás, à de ninguém. Mas criança e jardim era sinal de desastre pra natureza. E parece que eles tinham radar. Eu pulava o muro discretamente, atravessava o terreno em ponta de pés e quando adentrava os primeiros passos no jardim, eles me repreendiam. Algumas vezes fingia sair e me escondia entre algumas plantas. Era quando eles me delatavam ao meu avô, que pacientemente vinha me pedir para não tornar a perturbá-los. Mas o lugar era fascinante demais para abandonar assim. Cheguei a bancar o bom menino com meus tios para ganhar a confiança deles. Ia tomar café à tarde lá, conversava sobre assuntos de interesse de ambos, ganhava elogios, mas apesar do esforço, o jardim permanecia inacessível.

Das poucas lembranças que me restaram dele, ficaram as histórias, o aroma do ambiente, a umidade, o perigo (de ser descoberto), a tranquilidade. Acho que cheguei a brincar de se esconder, uma ou duas vezes, no máximo, com minhas primas. Não mais que isso. O paraíso não poderia ser violado. E apesar das interferências dos meus tios, a pequena floresta acabou abandonada e destruída quando a casa foi vendida. Aparentemente, de nada adiantou tantos cuidados. Mas se eles não preservassem o precioso jardim enquanto estava sob os seus cuidados, ele não seria aquele prodigioso espetáculo da natureza, nem despertaria a minha contemplação. Bom mesmo se mais gente estivesse plantando, cuidando e dedicando um tempinho do dia para a preservação da maior dádiva do planeta. Possibilitando mais jardins e florestas à nossa volta, reaproximando a natureza do homem, reequilibrando o meio ambiente, tornando nosso ar mais puro e estimulando as endorfinas dos sonhos.

2 comentários:

  1. nossa eu lembro desse jardim era muito cuidado por essas pessoas muito lindo lembro parece que estou vendo andei muito lá confessor que tinha medo de entra dentro de casa por ser escuro, mas lembro que pena não sobrou nada mais so agora predios, adorei seu texto.

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