quinta-feira, 16 de junho de 2011

Nas alturas

Ela estava ali diante de mim, como sempre esteve. Mas dessa vez algo novo se fazia presente. Algo vivo, interno, pulsante, mais psíquico do que físico. Eu acompanhava a fila e sentia a hora se aproximar. Apesar de alguma insegurança, não titubeei novamente; entreguei o bilhete e sentei na cadeira reservada a mim. Preso ali, comecei a perceber nos primeiros movimentos, por que aquele lugar sempre foi sinônimo de apreensão em minha vida. Desde criança quando os parques de diversões chegavam à cidade para a festa do padroeiro, comumente evitava os brinquedos perigosos que envolviam velocidade e altura. Era bem mais seguro ficar rodando em um cavalinho colorido do carrossel ou nos aviõezinhos a um metro do chão. Mas de longe a primeira imagem que se tinha do parque era dela, suntuosa, imponente, soberana entre todos, a roda-gigante. Era inevitável não olhá-la. Ficava atônito com tamanha engrenagem girando com tanta precisão, e mais perplexo ainda com as pessoas que se dispunham a girar naquelas altitudes. Ah, aí estava a razão.

Não sei necessariamente quando percebi que algum medo de altura havia em mim. Mas a cada novo degrau uma falta de equilíbrio maior. A gravidade dizia que meu lugar era a terra firme, o céu era para os pássaros. O medo era real e se mostrava evidente nas minhas opções no parque, e pode ter se somado posteriormente a uma labirintite que só complicou ainda mais a estabilidade no ar. Lembro de uma única vez que tentei desafiar esse medo, era o último dia do parque e depois de tanto ouvir as declarações entusiasmadas de meus amigos, fui convencido a embarcar no Twist, uma espécie de carrossel de cadeiras numa modulação bem mais acelerada e que subia durante o passeio formando um ângulo de quase 90 graus. Não sei a que sensação eles se referiam, porque a única que senti foi desespero agarrado ao cabo de sustentação, vendo a qualquer momento a cadeira ou o meu sapato voar até os fundos da rodoviária. Aturdido entre os gritos de euforia e as imagens do parque, que haviam se transformado em vultos, não fazia ideia se a altura ou a falta de estabilidade era a pior impressão.

Contudo, apesar de toda essa insatisfação, a altitude sempre me instigou. Mais novo queria ser astronauta, acho que não visualizava a viagem, apenas o desenho do planeta de cima. Mantinha ainda uma relação de cumplicidade com o super-homem, que voava. Gostava também de subir nas escadas da caixa d'água da casa de minha avó, apesar de todos os alertas da família. E quando morei em um prédio de dez andares em Natal, o meu passatempo predileto era subir no telhado à noite e olhar a cidade. Absurda contradição. Mas quem falou também que temos que ser tão lógicos? Acredito que o meu medo estava ligado ao domínio. Se o lugar era alto, mas me permitia ter o controle da situação, então era divertido, do contrário: "mainhaaaa!" Hoje avalio como um medo saudável. Todos têm medo de alguma situação aparentemente fora de controle. Algo semelhante ao medo de fantasmas. Eu, como a maioria das crianças, ficava assustado ao ouvir histórias de assombração, embora sempre insistisse em escutar, deixando o medo para me perturbar depois embaixo dos lençóis.

Talvez por essas contradições eu tenha ficado receoso do desafio de encarar uma roda-gigante pela primeira vez aos 24 anos. Mas eu havia decidido superar esse trauma de infância e fui um dos primeiros a incentivar o passeio no majestoso círculo. Bateu aquele friozinho na subida, a sensação de cair no nada durante as descidas, um esforço tremendo para manter o foco em algo e não perder o eixo, e no final ao olhar para ela novamente, achei imensamente maior do que antes e me julguei um insano por ter girado naquela altura. Ah, mas a sede de um parque estava apenas começando. Para ressarcir a ausência dele em todos os anos perdidos, fui em carrinhos, aviõezinhos, trem fantasma, e me arrisquei a ir em uma mini montanha-russa, depois de uma roda-gigante aquele trilhinho era fichinha. Basta informar que na saída perdi um pouco da coordenação motora das pernas, depois de acreditar que iria despencar do vagão em cada descida. Com esses testes de adrenalina, achei melhor não arriscar a barca viking e muito menos o tal do Samba, rodando sem parar. Ainda surgiu um convite pra repetir a roda-gigante. Não, pensando bem, outro dia, quem sabe.

Novamente não sei se o medo ou a falta de estabilidade provocando uma ânsia de vômito era a sensação que dominava ao final da experiência. Contudo, penso que foi propício o resultado alcançado. Embora não tenha superado completamente esse medo, consegui reverter uma situação que me incomodava desde a infância. Ao olhar uma roda-gigante agora, eu lembro que já estive ali. Penso que é importante o desbloqueio de qualquer mecanismo que trave o nosso progresso. O medo em demasia congela o ser humano e o impede de viver livremente. Uma fobia vai levando a outra e do nada estamos encurralados em uma cerca de pânicos. A altura passa longe de ser o meu maior medo na vida, temo muito mais alguma doença grave, que me leva a temer determinados comportamentos para evitar ter alguma, então fico condicionado ao limite que esse medo me reserva na vida. Por isso, é bom correr riscos algumas vezes, pular de para-quedas, fazer rapel (ainda faço um dia ), saltar no nada. Voar simplesmente sem se preocupar a que altura está do chão. Enfrentar os medos é cruzar os limites, ir além de onde acreditamos ser capaz e tornar o inimaginável, factível.

2 comentários:

  1. eu tambem morro de medo de altura nao gosto de roda gigante so fui uma duas vezes quando adolecente, por influencias de amigas, mas nunca mais nao gosto de altura, valeu.

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  2. Gostei do regresso ;)
    Um abraço deste lado do atlântico de um colega que partilha vários sonhos comuns.

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