quarta-feira, 11 de maio de 2011

Impressões

E aquelas tardes tinham um sabor especial, eram verdadeiras reuniões invioláveis. Entre a diversão e o compromisso, amizades despontavam e descobertas prazerosas emergiam para um mundo ainda inexplorável de pré-adolescentes. Os encontros eram sempre no meu quarto. Os móveis eram afastados, a galera se espalhava pelo chão, o toca-fitas era ligado e pela sequência gravada na fita K-7 começávamos a nos apresentar. Em meio à garotada, minha mãe, que na função de produtora mais parecia outra criança. Geralmente esse período de ensaio durava apenas uma semana antes da apresentação. Tempo relativamente curto para assimilar passos, trejeitos e a própria música dos artistas escolhidos, mas não estávamos tão preocupados em acertar todas as coreografias, e sim em acreditar que éramos aqueles cantores e dançarinos famosos. Não importava se seria uma Déborah Blando morena, uma Sandy loira ou um Jacaré branco desde que a dedicação e a intenção fossem as melhores.

E dedicação se encontrava mesmo no capricho dos convites feitos à mão, em pedacinhos de cartolina, e entregues de porta em porta entre os vizinhos e amigos próximos; e até na confecção do figurino, normalmente uma reprodução meio pirata de algum modelo de roupa famosa, só que em tecido bem mais modesto. As especulações sobre os números a ser apresentados aguçavam a curiosidade de algumas crianças que se debruçavam sobre a janela do meu quarto nos horários dos ensaios, a fim de conferir em primeira mão o que estávamos preparando dessa vez. Sempre após os encontros no início da noite, saíamos todos juntos conversando em grande empolgação até a prefeitura da cidade, de onde cada um tomava seu rumo até nos reunirmos de novo no dia seguinte. Eu me dirigia habitualmente à casa da minha avó, onde quase sempre jantava miojo feito por mim mesmo, que à época era um grande achado da culinária infantil. De algum modo me sentia responsável, vivo, senhor do meu caminho. Era o garoto que trabalhava em algo produtivo e ainda preparava seu próprio alimento. Não era pouca coisa.

Quando o grande dia finalmente chegava, eu despertava com os primeiros sinais de luz a fim de não perder um segundo sequer as emoções que aquela ocasião proporcionava. E o dia era realmente cheio. Primeiro tínhamos que decorar a área de entrada de nossa casa. Uma cortina grande cobria toda a parede onde ficava a porta e alguns balões eram colocados em torno do ambiente. Inquieto para estar ocupado em alguma tarefa, olhava agitado todos que se ocupavam no único ofício que não conseguia realizar, encher aquelas bexigas com ar. Era ridículo, parece que só conseguia soprar pra dentro. Mas não ficaria desocupado por muito tempo, era hora de recolher o máximo de cadeiras entre os vizinhos para os convidados sentarem. E com minha sede de parecer útil, nunca deixava de ir buscar assento nos lugares mais distantes, como a casa da minha avó. E lá seguia eu atravessando a cidade num domingo ensolarado com uma cadeira de fitilho vermelha contra o peito e um sorriso no rosto.

Como em qualquer evento, alguns imprevistos estão sujeitos a acontecer. E me lembro de uma vez que faltou energia na cidade na manhã de uma apresentação. Falta de energia em cidade pequena é sempre um transtorno, nunca se sabe quando a força vai voltar, e quando inesperadamente chega não há quem não fique sabendo com a ovação de um grande gol pelas ruas. Pois desde que sem energia, sem espetáculo, uma vez que sem energia não há som, e sem som não há apresentação. Inconformado com a ideia de ver o grande dia vir abaixo, precisava encontrar alguma solução. Decidi que usaríamos pilhas no meu aparelho de som pequeno, mas onde encontrar pilhas grandes no comércio fechado de domingo? Depois de fuçar todos os buracos abertos da cidade, acabei encontrando, mas o volume do aparelho não se mostrou muito satisfatório para a realização do evento. Fiquei matutando, como encontrar uma solução possível? De onde arrancar energia? Sol? Gerador da igreja? Por que não? Não foi preciso tanto. Perdido em meus raciocínios escutei aquela ovação. Estava salvo.

Tomar banho, separar os figurinos pela ordem de apresentação, esperar os convidados, tudo era um ritual seguido com a maior satisfação. As meninas ficavam no meu quarto e os meninos faziam de camarim o quarto da minha mãe. Quando a nossa apresentadora chegava (minha ex-professora de alfabetização), eu lhe passava a lista com os números a ser exibidos. Em pouco tempo a área estava tomada por vizinhos e curiosos que passavam. Sentada sempre na primeira fila, minha avó, que nunca perdia a oportunidade de ver o neto em ação. E enfim começava. O corre-corre era grande na troca de roupa após uma apresentação. Eu com um olho no controle do som, o outro na área e ainda atento aos meus horários de entrar e mudar o figurino. A sensação de conquista ao final se misturava com vazio. Meta cumprida e não mais músicas, tardes animadas, caminhadas até a prefeitura, miojo com sabor de compromisso. Lamentavelmente tudo acaba, mas esses momentos já morriam um pouquinho no silêncio da noite vazia de um dia tão fervilhante de vida.

3 comentários:

  1. ou meu filho como lembro e quando fico com saudade daquele tempo tao bom tao pertinho de vc, e hj vc sempre longe, mas era divirtido dimais nas quelas brincadeiras rolava ate namoro lembra, mas emfim e a vida tudo na vida passa,adorei ees texto como tava com saudades desses texto nao demore muito nao porque adoro ler.

    ResponderExcluir
  2. Viajo nas histórias de infancia.
    Abraços,mlk.

    ResponderExcluir
  3. Oi Sam!
    Como é bom poder estar aqui lendo essas recordações. Espero que não nos abandone mais por tanto tempo, é gostoso viajar por esse mundo nostálgico que nos proporciona uma gostosa sensação de reviver momentos inesquecíveis da nossa vida.
    Um abraço.

    ResponderExcluir

Colheitas