domingo, 2 de janeiro de 2011

A água que eu respiro

Dizem que o homem pode ser da terra, da água, do ar ou do fogo. Eu, indiscutivelmente, sou da água em todas as suas manifestações. Água de rio, cachoeiras, ribeirões, chuva, mar, água, água, água... Decidi falar sobre a água nessa primeira postagem de 2011 por sentir que ela representa vida, e vida em abundância. Nas alegrias, vitórias, decepções, desabafos é ela quem nos socorre manchando nosso corpo com as gotas do suor e das lágrimas. A mesma que cai do céu e germina a terra, fazendo florescer a vida. A água que lava o corpo cansado, limpa as manchas da caminhada, revigora a alma, nos alimenta o ser. Água que separa mundos, que esconde segredos profundos, que se agita e se aquieta. Água que sacia a sede, que percorre nosso interior e permite a sobrevivência.

Demorei algum tempo para perceber como eu e a água éramos inseparáveis. Embora ela sempre tenha me acompanhado como uma fonte de renovação. Na infância a conheci além do filtro e do chuveiro do banheiro. Comecei a estabelecer contato com suas correntes na piscina da casa do meu pai. Embora não soubesse nadar, ficava horas protegido nos braços dele mergulhado naquela vastidão. E malvado aquele que fosse me tirar e me enrolar em uma toalha. Geralmente sobrava para minha mãe. A partir daí tracei um elo de amizade com a água. E sempre que podia ela vinha me visitar pelo céu, caindo sobre o telhado da minha casa, formando bicas fortes que escoavam pela calçada. Sua chegada era sempre uma festa. Jogava a camisa fora e saía correndo com os amigos pelas ruas feito um moleque sem dono no meio daquele aguaceiro. Abria a boca e deixava os pingos caírem dentro, como se com isso fizesse parte daquela totalidade.

Havia algo mágico naquele espaço entre o início das gotas no céu e as poças que se formavam no chão. Não sabia exatamente o que era, mas sentia que uma poderosa energia caía junto com toda aquela água e me fazia bem, que já nem me importava em ter que ir para casa quando minha mãe chamava. Agora aquecido e agasalhado, observava a chuva cair e o acúmulo de água ao pé das calçadas correndo como um rio. Quando ela cessava, percebia uma mudança no ar, e as gotinhas que pingavam das árvores em mim eram sua despedida. Fui crescendo e a água continuou minha amiga. Sempre que podia inventava uma brincadeira com os bonecos na pia de lavar roupa. Enchia o tanque d'água e ficava mergulhando-os, me imaginando nadando ali. No fim do dia os dedos eram só rugas, mas pareciam bem mais vivos. Na casa da minha avó sempre tiveram muitos tanques para reservatório de água, e uma da minhas maiores alegrias era, vez por outra, poder cair dentro de um. Pena que cresci depois e já não cabia na entrada.

E nada poderia ser mais gratificante do que viajar para a capital e ir ver o mar. Aquelas ondas batendo contra as pedras, a arrebentação lá distante, próximo a algumas embarcações... era imensurável. Corria sentindo as ondas nas pernas e sua força me puxando para dentro, enquanto ficava ali parado vendo meus pés se atolarem na areia. E peguei amor por todas as palavras que lembrassem mar, como recifes, corais, cais, encostas, naus, rebentação. Hoje, a água e eu somos velhos amigos. Aqui, acolá ela me passa um e-mail numa tarde quente, desembaça a vista, me beija. Outras vezes sou eu que a visito e caio de abraços em suas moléculas. Inebriável sensação quando estou em contato com ela ou simplesmente sinto a sua presença. Suas gotas são minha maior inspiração. É quem me alimenta, me arranca sorrisos e gargalhadas, me aquece a alma e renova o gás. Quem sabe um dia possamos compartilhar do mesmo espaço, dividir outras histórias e respirar sempre esse ar que me sustenta? Por pura coincidência ou não, começou a cair aqui uma chuva fininha agora.

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