quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Questão de números

E naquela noite eu precisava deixar uma cópia do nosso documentário com a colega de trabalho da minha amiga Ana Célia, antes de pegar o ônibus pra casa. Chamavam essa colega popularmente de Galega, e fui informado que ela residia no mesmo condomínio que eu, era apenas uma questão de letras e números. Abandonei o U404 em direção ao E101. Ao chegar constatei que o interfone não funcionava. Haveria de esperar alguma alma caridosa surgir ali com uma chave que me permitisse entrar no bloco. Mas o tempo era meu inimigo também. Como o apartamento que procurava era no térreo, decidi dar a volta e chamar pela Galega na varanda. Ao passar pela janela do quarto, notei que havia uma moça no computador. Deduzi que seria a filha dela, já que haviam me informado que tinha uma. Chegando à varanda, rapidamente comecei a bater palmas, porém, ninguém apareceu. Bati de novo. E de novo. Nada! Como assim? Havia gente no quarto.

Retornei à janela do quarto. Não havia mais ninguém lá. Só um computador ligado e uma cortina voando na janela. O que poderia ter acontecido? Voltei a varanda. A menina deve ter ido pra lá. Mas nada! Também não havia ninguém lá. Foi quando me acometeu que a garota poderia ter se escondido de mim. Sim! Agora eu era visto como um bandido dentro do meu próprio condomínio. Não! Mas eu precisava deixar o dvd ali antes de viajar. Ela haveria de me receber. Voltei à janela, onde a cortina voando era o único movimento que se via no quarto, e comecei a chamar pela Galega. Informei que estava ali para deixar algo à mãe da garota, e que ela deveria entregar a minha amiga na agência bancária onde trabalhavam. Praticamente implorei que a moça aparecesse e só não afirmei que não era nenhum bandido, porque achei previsível demais. E se ela resolvesse ligar pra síndica ou pra polícia?

Retornei ao meu U404, peguei o celular e liguei para minha amiga enquanto voltava ao E101. A deixei a par da situação. Informei que a Galega não estava no apartamento e que sua filha havia me confundido com um ladrão. Mais que depressa, Ana Célia desliga o celular e liga para a Galega. Porém, ninguém atende. Óbvio! A Galega havia saído e provavelmente não tinha escutado o celular tocar. E no apartamento só estava a atormentada de sua filha, que a essa hora, ou já teria ligado pra alguém, ou teria petrificado de tanto medo. Resolvi constatar. O quarto permanecia no mesmo silêncio, e a proteção de tela do computador avisava que ninguém havia tocado aquele solo há algum tempo. Se ao menos pudesse entrar no bloco, tocaria a campainha e tentaria explicar mais uma vez a situação. Que menina complicada!

Foi quando retornando à entrada do bloco, vi uma alma caridosa circulando dentro. Corri e a mulher abriu a porta. Mal tive tempo de agradecer. Ela olhou pra mim, eu olhei pra ela. Não sei quem perguntou primeiro. Eis a Galega a minha frente. Atônito, tentei entender o que havia acontecido. Mas logo compreendi quando vi a porta do E103 aberta. Por algum motivo, me informaram o número do apartamento errado. Não sei se agradecia por ver finalmente a Galega e poder entregar o vídeo, ou se esganava quem havia me passado a informação errada. Mais uma espiada dentro do apê dela, encontrei a sua filha, uma garotinha bem menor do que a moça do E101. Entreguei o dvd e saí dali. Pensei na garota do outro apartamento. Estaria ainda escondida esperando seus pais chegarem para lhes relatar em soluços, o perigo que havia lhe ocorrido àquela noite? Pensei em ainda ir lá na janela e esclarecer que tudo não passou de um engano e que ela poderia voltar ao computador tranquila, mas achei que ela não acreditaria e já tinha sido traumatizada demais pra uma noite.

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