segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Noite de TOC

Quem sofre de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) sempre vive passando por situações inusitadas e embaraçosas, mas algumas vezes elas chegam a ser divertidas. Fazia pouco mais de um ano que eu havia me mudado para aquele apartamento no bairro de Lagoa Seca em Natal e lá eu tinha poucos conhecidos. No meu andar lembro de uma morena alta que morava quase a minha frente e sempre saía de salto alto e muito perfumada. Eu sabia exatamente a hora que ela chegava toda noite porque o som dos seus sapatos subindo as escadas anunciava a sua chegada desde o primeiro andar.

Havia também uma jovem meio problemática que morava com seu pai. Quase todas as noites ela ficava com o namorado nas escadas que davam para o terceiro andar. O pai dela chegou uma vez a ligar uma panela no fogão e cair de bêbado na cama. Os vizinhos que tiveram que intervir para que não acontecesse o pior. E lá também tinha o seu Wilson, o meu vizinho da esquerda. Ele era como um porta-voz do proprietário do prédio. Sempre que alguma coisa estava fora de ordem ele era o primeiro a falar com o dono. Minha mãe foi muitas vezes bater na porta dele quando faltava água no prédio ou atrasava a conta de luz. E ainda tinha o seu banho perfumado que enchia o nosso apartamento com o perfume dos xampus e sabonetes que usava.

Mas seu Wilson tinha uma peculiaridade que os outros não tinham. Ele era inseguro e apreensivo. Morava sozinho e cumprimentava todos do prédio sempre apressado e parecendo esconder um certo nervosismo. Certa noite, aconteceu algo que ficou comprovado a sua insegurança. Era por volta de 10h30 da noite e A Diarista divertia o meu fim de noite. Durante um intervalo saí para escovar os dentes e apagar as luzes. Quando estava apagando a luz da cozinha o programa retornou e eu mais que depressa passei a chave na porta, e para não perder nada do seriado, fiz a certificação básica do TOC, ou seja, sacudi a porta para lá e para cá algumas vezes para ter certeza que estava fechada. Só que fiz muito rápido e o barulho também foi maior.

Alguns minutos depois o programa terminou e eu fiquei procurando algo para assistir em outros canais, até que de repente ouvi uma estranha movimentação no corredor do prédio. Como diria Márcia do Zorra Total, era “um vucu-vucu”, e eu me aproximei da porta, olhei pela frecha da cozinha e vi um homem passar com um uniforme onde estava escrito “Polícia Militar”. Pensei: “polícia? O que houve?”. Só aí notei outro policial e uma vizinha na porta de seu Wilson que enfatizava com precisão para o policial: “estava aqui, eu ouvi, eu estava dormindo quando alguém forçou a porta ali do vizinho e depois forçou a minha”. Eu disse: “pronto, foi meu TOC!”.

Eu não sabia o que fazer. Dois policiais revistavam o prédio à procura de um ladrão que morava ao lado e sofria de transtorno obsessivo. Um engano! Um terrível engano que movimentava a noite dos moradores do edifício. Pensei se saía ou se ficava ali. Resolvi abrir a porta e perguntar o que estava acontecendo como se não soubesse. Seu Wilson olhou para mim assustado e me informou que um bandido tinha tentado entrar no apartamento dele. Um dos policiais me perguntou se eu havia visto alguma coisa e eu disse que não. Os policiais procuravam em todos os locais possíveis e não viam nada. Claro, não tinham mesmo como encontrar. Foi quando um deles passou por mim e me perguntou em gestos se seu Wilson era doido. Fiquei sem ação e fiz gestos como se não soubesse.

Fiquei acompanhando as investidas dos policiais pelo escape de acesso ao terraço, conferindo as fechaduras das portas para ver se tinham sido forçadas e ouvindo os c0mentários assustados da minha vizinha morena que dizia: “meu Deus, ladrões aqui no prédio, e eu pensei que aqui era tão seguro”. Eu não podia contar a verdade ali. Afinal até eu já estava acreditando que um bandido tinha forçado mesmo a porta de seu Wilson. E como uma história sempre gera outra, a vizinha da direita informou que o portão de baixo estava aberto mais cedo e que viu uns garotos estranhos dentro do prédio. Pronto, a invasão já tinha até suspeito. Os policiais perguntaram como eram os garotos e ela ficou lá descrevendo. Fiquei me encolhendo ali naquela história e pensando que eu não podia ter gerado tudo aquilo com uma simples verificação de TOC.

Passados alguns minutos os policiais se certificaram que não havia nada de errado e foram embora. Eu entrei e fui tentar dormir. Na manhã seguinte acordei e fiquei pensando na loucura da noite passada. Me encontrei com o seu Wilson no corredor e ele me perguntou novamente se eu não tinha escutado nada porque os policiais estavam achando que ele era maluco. Ele veio me dedilhar todos os detalhes e me fazer sentir mais culpado ainda. Foi quando soube o mais absurdo de tudo. Os policiais estavam passando de moto pelo local quando seu Wilson gritou da janela por eles. Disfarçadamente saí dali e fui para o meu curso.

Contudo, descobri que pequenos detalhes podem movimentar o mundo. Um gesto corriqueiro e pessoal meu poderia determinar o futuro do condomínio. Ele agora poderia ficar conhecido como um prédio inseguro, o que afugentaria novos moradores, como também poderia fazer os atuais moradores serem mais cuidadosos ao passar e trancar o portão de baixo. Mas nem assim consegui deixar de me certificar de fechar a porta todas as noites, só que agora lembro sempre do que aconteceu naquela noite e para evitar um possível “vucu-vucu” com resultados bem piores, eu tento não fazer tanto barulho e penso que podem existir outros seu Wilson por aí que não sejam tão amistosos e não levem fama de malucos para salvar minha pele.

Um comentário:

  1. kkkkkkk!Muito boa, essa cara!Sei não...è o TOC pode fazer estragos k kkkkk.Parabéns pelo texto!
    Saskia

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