sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Um Dia Especial

Há datas que significam muito para a gente por conter algum significado importante, como o nosso aniversário, o natal, o reveillon. Mas existem outras ocasiões que nos tocam sem nenhum motivo aparente. E assim se deu a minha identificação pelo dia de finados. Lembro fortemente das vezes que fui ao cemitério visitar familiares que nunca cheguei a conhecer, e sempre me animava por poder estar lá.

Não sei explicar o fascínio que encontrava em acender velas e caminhar pelo cemitério olhando os outros túmulos. Lembro de estar me curando de uma catapora aos nove anos e querer ainda assim ir ao cemitério, só não fui porque minha mãe não deixou. Talvez as experiências raras de ir a um cemitério pudessem explicar um pouco. Alguns tios meus geralmente iam a minha cidade prestar seus sentimentos e com eles minhas primas. Juntos saíamos pelas alamedas tentando encontrar os mais bonitos túmulos e as mais enigmáticas covas. Na inocência que escondia mais uma aventura do que sentimentos de saudade e lembranças.

O Dia de Finados sempre foi uma rotina lá em casa. Os preparativos da limpeza e pintura dos túmulos começavam uma semana antes. As coroas eram organizadas e levadas ao cemitério na manhã do mesmo dia. Eu sempre queria ser o responsável por pregá-las em cima dos túmulos, mas minha mãe não deixava, e algumas vezes, quando acordava cedo e conseguia ir com minha avó, ficava só olhando o menino que fixava as coroas. Era realmente um dia especial.

À tarde, umas 4 horas, todos nos arrumávamos e íamos ao cemitério novo, como é conhecido até hoje. Lá, a visita era à mãe da minha avó. Acendíamos velas e depois minha mãe, minha avó e meus tios rezavam enquanto eu ia “passear”. Pra mim, podia não ser o cemitério mais bonito que já havia entrado, mas escondia seus mistérios, e minha visita lá só acontecia uma vez ao ano.

À noite era a vez de irmos ao cemitério velho. Lá, havia mais familiares, inclusive Cicinho, meu tio que havia morrido ainda criança em um acidente e que mexe até hoje com os sentimentos da minha mãe. E o ritual continuava. Velas acesas e orações. Meu olhar se encontrava com outros enigmas. Tentava entender esse mistério da morte. Fixava meu olhar para toda aquela estrutura e para as gavetas onde se encontravam os corpos e não conseguia entender a inexplicável viagem que poderia ter levado embora aquelas pessoas. Porém, como criança que era, esquecia um pouco esses pensamentos e saia desbravando os outros túmulos.

Hoje, passados alguns anos das minhas peripécias infantis, o dia de finados ganhou um outro significado pra mim. Os passeios às alamedas tornaram-se um encontro com a saudade. As velas acesas refletem uma lembrança de momentos felizes. E encontro nos túmulos não mais apenas parentes desconhecidos, mas meu avô, meu pai e minha tia Lúcia. As orações que antes apenas ouvia minha família rezar, hoje as elaboro sozinho, movido por um sentimento de eterna saudade e memórias que nem o tempo será capaz de apagar.

Contudo, apesar das mudanças, uma incógnita persiste até hoje. Qual o destino daqueles que partem e nunca mais retornam? Será que eles entendem também o significado desse dia? Onde estão realmente? Conseguem receber as energias que as pessoas direcionam à elas nesse dia ou tudo é apenas uma simbologia e o resultado da saudade e da angústia dos que ficam aqui? Essas perguntas nem o tempo poderá me responder. Porém, a certeza da importância do dia de finados ficou mais acesa em mim hoje. O que poderia ser um interesse sem muitas explicações pode ter ficado sem resposta no passado, mas a necessidade e o desejo de estar no cemitério nesse dia permanecem. Embora com idéias e pensamentos diferentes, o Dia de Finados será sempre um dia especial em minha vida.

Um comentário:

  1. Samuca tu é o cara, conseguiu me envolver, através de um brilhante e criativo texto, em um assunto um tanto quanto desagradável e muito menos simpático para mim.
    e outra não sabia que meu amiguinho gosta(va)de ir aos cemitérios,minha nossa !!!Só tu mesmo viste.

    Em relação às saudades. Que bom que vc se lembra dos seus entes queridos por meio das lembranças e das saudades. É dessa maneira q tds nós devemos pensar.

    Silmara

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