sábado, 17 de novembro de 2007

Cinco Minutos a Mais

Quão inevitável é a sensação de desprezo e distanciamento que o ser humano é capaz de ter antes mesmo de se conhecer a outra face da laranja. É certo que vivemos em "sociedade" e que temos direitos e deveres a serem cumpridos, mas um dos direitos que talvez não chegamos a decidir foi a necessidade de isolamento de determinadas camadas sociais. Desde muito antes da construção de uma sociedade civil, o isolamento de pessoas portadoras de algum mal que poderiam prejudicar os demais foi a principal causa do preconceito e aversão ao estranho. Leprosos eram isolados, loucos presos e os condenados iam mais adiante, eram sacrificados em praça pública.

Estudar isso na escola, ler em livros ou ver na televisão não abala mais a nossa sociedade, estamos acostumados com o erro e nem questionamos. Porém, ao se deparar cara a cara com a realidade que ainda persiste é realmente perturbador. Não é possível existir situações semelhantes ao Império Romano em pleno século XXI. Pois acreditem, existe! Fazendo uma visita a uma clínica psiquiátrica para um trabalho da universidade, me deparei com a situação de maior isolamento social a que uma pessoa pode se encontrar. Aglomerados, vagando, curiosos, temerosos, alegres, distantes. É um mundo à parte que se esconde por trás de uma porta. Uma porta! Apenas uma porta separa a realidade da fantasia. Como segregamos as pessoas ao nosso interesse e as isolamos sem direito ao que temos por natureza, a liberdade?

Será que sabemos ao certo o que é perigoso aos nossos olhos e o que não nos faz mal? É óbvio que alguém que sofre de algum tipo de transtorno mental merece cuidados especiais, mas será que esses cuidados devem necessariamente ser através do completo isolamento? Vivemos em um mundo que achamos o certo, um portador desses transtornos também vive em um mundo que considera o certo, e qual de nós podemos julgar e opinar sobre o verdadeiro mundo, se é que existe um verdadeiro? E se existir quem garante que não estamos no errado? O "louco", como dizem, pode enxergar muito mais do que vemos e encontrar a sabedoria da vida bem antes de nós. É uma linha tênue que separa a verdade da fantasia, mas se vivemos uma fantasia diariamente e aceitamos, por que não podemos entender quem vive sua própria realidade?

E eis que vem o famoso preconceito. E aí não vou tirar o corpo fora. Somos criados e acostumados a viver nessa separação social, que sentimos medo ao que nos parece estranho. A primeira impressão que tive ao entrar na clínica e ver aquelas pessoas isoladas do mundo, sonhando em ir embora, idealizando histórias que nunca existiram, foi de espanto mesmo. Imaginei como somos frágeis e imperfeitos. Estamos na sociedade que descarta seus funcionários. Se temos algum defeito que não corresponde às suas necessidades somos jogados fora e condenados ao esquecimento. E esse preconceito afeta a própria família que não sabe como lidar com a situação e termina buscando as piores alternativas por falta de esclarecimento.

Durante a visita à clínica, conheci entre tantos internos uma garota na ala feminina que me chamou a atenção. Seu jeito espontâneo de falar e sua identificação conosco nos chamou a atenção. Mas um detalhe era mais gritante do que todos, sua juventude. Em meio a tantos casos mais avançados em termos de idade, ela parecia querer fugir da sua realidade com toda a energia que detinha. Tremia sem parar e demonstrava uma enorme alegria com a nossa presença, como alguém que recebe visita em casa de surpresa e não sabe o que faz para agradar. Acho que escolhi esse tema entre tantos propostos pela professora, pela identificação que já tinha presenciado com minha tia. Ali era como conhecer o território que ela pisou por muito tempo. Além de reviver a história, estaria entendendo e tentando compreender a vida vista pelos olhos e pela mente dela.

Foram poucos os minutos que permaneci lá dentro com Lea e Isabeli, mas foram intensas as experiências que vivemos. O valor de um abraço ganha outro sentido, o contato com as pessoas se tornam momentos de curiosidade e descobertas. Se somos capazes de mergulhar de coração nesse mundo que parece estranho aos nossos olhos, podemos desfrutar e desvendar os mistérios que a vida nos esconde e conhecer e apreciar a vida através de outros valores, pelos olhos de quem consegue ver o que não percebemos e podem compreender muito mais do que imaginamos. Afinal, se todos temos nossos cinco minutos de insanidade, o que cinco minutos a mais fariam de diferença?

3 comentários:

  1. Samuel, é interessante como a nossa visão de mundo muda quando nos deparamos com algo tão novo, algo que nunca imaginamos. Mais que isso, as experiências que você relatou de forma brilhante no texto "Cinco minutos a mais", me faz pensar em quantos preconceitos nós não temos tido com a "sociedade" em que estamos inseridos. Minha esperança é que a cada dia possamos crescer enquanto seres humanos, amaducer enquanto jornalistas e quebrar barreiras para um futuro melhor. Precisamos manter um pouco mais longo esses cinco minutos para atravessarmos barreiras desse tipo.

    Um forte abraço!

    ResponderExcluir
  2. "Ah, quanto a vc fazer um comentário no próprio Celeiro nem vou falar mais. Vou esperar um dia quando simplesmente vou abrir os comentários e encontrar lá "Isabeli disse..." Oh!!!"

    Isabeli disse(finalmentekkkkk):
    Pois é Same, realmente essa experiência me marcou muito.Foi pouco tempo lá dentro, mas suficiente pra nos dar uma grande lição e fazer parar pra pensar em tanta coisa.
    De fato a garota que vc citou no texto chamou mais atenção mesmo, e ela não me saiu da cabeça nos dias seguintes a nossa visita.E vez ou outra me pego lembrando dela, o que será que aconteceu com ela? onda está agora? como está?A juventude dela é uma caracteristica que a destacava das demais internas, e também tão falante, comunicativa, sempre querendo um abraço e aquelas mãos visivelmente trêmulas e com um olhar que parecia dizer: me leva daqui!!!!a situação é muito dificil e como lea disse "você relatou de forma brilhante no texto".E cabe a nós mesmos, nos tornarmos agentes formadores e (trans)formadores de opinião e não (de)formadores. pra quebrarmos essa e tantas outras barreiras e preconceitos.

    ResponderExcluir
  3. Ah...o texto "Cincos minutos a mais" de Samuel e as experiências vividas nesse tema rederam o "nosso" brilhante Anamnese.Apesar dos desencontros e das dificuldades tivemos "sucesso" no nosso primeiri vídeo, não é, Sami?
    Abraços
    Saskia Coutinho

    ResponderExcluir

Colheitas